quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Crítica: Instantes afetivos (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe
Crítica da peça Patética da Cia. Ilustríssimos Senhores
Autor: Humberto Giancristofaro

Patética é uma peça escrita por João Ribeiro Chaves Neto, por ocasião do fim dos dias de seu cunhado, o jornalista Vladimir Herzog. A estrutura narrativa é uma paráfrase sobre as intempéries que a família Herzog enfrentou para se afastar das perseguições do regime fascista na Itália e da ditadura no Brasil. O autor escolheu um caminho poético para contar sua história e continuar resistindo à opressão. A peça, por mais que tenha ganhado em primeiro lugar no concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro de 1977, foi proibida pelo regime militar de receber o prêmio e de ser encenada. A força deste espetáculo, porém, não é apenas um mérito de seu martírio, ela é recheada de pungência teatral, o que a torna uma valiosa expressão estética do teatro brasileiro.

A Cia. Ilustríssimos Senhores resolveu montar este texto para o II Festival de Teatro Toni Cunha de Itajaí com uma nova ponderação das atitudes particulares. Um percurso que os atores tiveram que enfrentar foi de como trazer esse texto sem que sua historicidade o datasse. Pois, por mais que, vergonhosamente, ainda não conseguimos acabar com a ditadura – ela continua em patentes menos explícitas – ao usar um grito de resistência já anestesiado pelos donos do poder, a companhia corria o risco de dizer o que já foi dito. Diferente disso, esta montagem assinala uma atualização nessa insurgência. A chave da direção de Rafael Orsi de Melo foi repensar o lugar de onde o elenco se manifesta. Desta feita, o espaço topográfico das ideias formula um ambiente para que os atores tomem consciência de suas posturas, assim eles podem adotar uma concepção artística cheia de expressividade. Esse é o segredo intempestivo: fazer existir, ao invés de julgar o passado. Eles não estão lá representando personagens da história, estão expressando seus afetos puros.

A fórmula que os atores procuram erigir para a peça é de que ela não dependa da mensagem para alcançar o público, ela deve se comunicar por uma expressividade estética direta. Boa parte desses signos é emitida pelos olhares dos atores. Otávio Barwinski olha nos olhos dos espectadores e toma a fala de seu personagem Glauco (representado Herzog) como sua. Nesse ponto, não é a mensagem o que importa – se não seria uma peça moralizante – mas o esforço dos atores em oferecer uma experiência ao seu público. O que eles produzem é um acontecimento, no sentido de resgatar a potência da efemeridade do teatro. Patética é uma redescoberta do valor do instante. Ela é um instante em que o teatro acontece de forma benfazeja, por meio de seus elementos pessoais, entretanto, técnicos. 

O cenário bem resolvido tornou possível jogar com os dois planos narrativos da peça, tanto da última apresentação do Circo Albuquerque, quanto da representação da vida de Herzog, de forma a mesclar essas duas histórias num espaço coexistente e, transferindo de um para o outro, as intensidades ora melancólicas ora preocupantes. A presença da coxia em cena faz primeiramente referência ao ambiente circense, porém, guarda uma potência mais profunda de abrir o jogo ao espectador, de mostrar que quem está lá no palco são pessoas, com suas implicações e necessidades como qualquer um. Mesmo quando não estão se trocando, ficam sentados olhando as cenas, por vezes muito fortes, mas não ficam impassíveis, é possível notar as impressões que eles têm sobre sua própria peça. Isso reforça a leitura de que os atores presentificam as forças do passado em impressões verdadeiras e animam no público uma revolta pelo que quer que esteja acontecendo agora. A peça não é uma ode à justiça pelo passado, antes, é um tapa com luva de pelica pelo momento presente.

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